29 de dezembro de 2007

PASÁRGADA

Estou sentindo diferente. Mais diferente do que o habitual.
Triste demais.
Triste de não ter jeito.

Viajo numa estrada vicinal, meio à parte das "high-ways".
"Gauche" na vida.
Não gosto do que todos gostam.
Não vibro com o que todos vibram.
Não percebo a vida da maneira com que a percebem.

E vou me afastando, aos poucos.
Afunilando este meu longo caminho.
Desistindo dos encontros impossíveis.
Desgostando cada vez mais.

As comemorações me nauseiam, por serem falsas.
São conduzidas a causar alegria fora de contexto.
São alegrias manipuladas, com data marcada.
E a alegre manada se agita.
Comem, bebem, se abraçam!
Depois, se apunhalam, achando tudo perfeitamente normal.

É por isso que vou-me embora prá Pasárgada.
Lá sou amiga do rei!
Vou-me embora prá Pasárgada.
Aqui eu não sou feliz!

25 de dezembro de 2007

SOBREVIVER

Atualmente, a existência só é possível
Com doses cavalares de Fernando Pessoa
De meia em meia hora
E presença humana em doses mais que homeopáticas.

Devo tomar alguma coisa ou suicidar-me?
Não: Vou existir, vou existir!

Que angústia doida essa de não entender nada!

14 de dezembro de 2007

O MAIOR DOS PESOS

Trata-se do aforismo 341 do livro "A Gaia Ciência", de Nietzsche, onde surge claramente a concepção do "eterno retorno", que é o pensamento mais profundo e de mais difícil compreensão da filosofia nietzschiana:

"E, se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e disesse: " Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inegavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem - e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente - e você com ela, partícula de poeira! - Você não se prostaria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ouvocê já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: "Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!"
Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, "Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?" pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela?

26 de novembro de 2007

O EU FRAGMENTADO

Em certos dias, é inevitável que ocorram alguns confrontos.
O mais irônico deles é o confronto mais inesperado, qual seja, você com você mesma.
Passado o primeiro impacto, você se dá conta que é mais do que um. Que outros personagens habitam os recônditos do teu ser e eles não são necessariamente simpáticos, maleáveis ou cordatos.
Ao contrário, trata-se de um movimento de guerrilha, anárquico. Fogem totalmente ao seu controle... Não estão nem aí para seus aprendizados civilizatórios, suas suadas horas gastas com analistas, sua tão propalada conquista emocional, cantada periodicamente em prosa e verso...
Aí você senta e chora... Não é que não passava tudo de uma grande ilusão?
Nao só você não tem absolutamente o controle de si mesma, como descobre que este eu, que você acreditava uno e totalmente disciplinado e maduro, é, ao contrário, fragmentado em muitos outros eus.
Você se dá conta, abruptamente, que, apesar de pensar, ingenuamente, que superou definitivamente aqueles segmentos mais marginais, radicais, cruéis, violentos, loucos de sua personalidade, à custa de muito esforço pessoal, diga-se de passagem, não foi nada disto que ocorreu. Ao contrário, eles continuam aí, vivinhos da silva, mais vivos do que nunca. Só você, tão candidamente, não havia se apercebido deste fato.
E, quando eles irrompem, manifestando sua existência, sem pedir licença, sem respeitar aquela sua porção mais civilizada, é um verdadeiro espanto...
Um fato surrealista ocorre então. Estupefata, você se vê obrigada a domesticar esses fragmentos rebeldes de personalidade, como uma verdadeira conversa de loucos, com todos esses eus conversando entre si, com o fragmento mais civilizado tentando desesperadamente convencer o fragmento rebelde a calar a boca, a não reagir, a sumir do mapa, a submergir para as profundezas do inconsciente e nunca, nunca mais retornar. Isto porque as manifestações iradas desses fragmentos são a prova viva de que a natureza de cada um é como uma doença crônica que você mantém sob controle mas não destrói.
O melhor, portanto, é não alimentar muitas ilusões a respeito de si próprio. Você é o que a sua natureza humana, melhor dizendo, sua genética, lhe permite ser. O mais que se pode fazer a respeito é ter uma consciência e um conhecimento muito bom a respeito de quem você realmente é, aparar aquelas arestas que lhe causam sofrimento e dor emocional, mas saber que anjos e demônios convivem internamente, alguns mais atuantes, outros mais adormecidos, e é assim que irá ser até o final de sua vida.
Contente-se com a triste realidade e não cultive ilusões. Elas são somente isto, ilusões...
E quando esses pequenos demônios fizerem uma visita à tona, desmoronando todos os lindos sonhos que você porventura acalentasse a seu respeito, acalme-se, respire fundo, respeite democraticamente o direito desses serezinhos se manifestarem a respeito dos acontecimentos da vida. Acima de tudo, respeite.
Talvez eles sejam a parte mais autêntica da sua natureza, aquela que não foi domesticada pela família, pela escola, pela sociedade, pelo tempo...
E tenho dito.

8 de novembro de 2007

A ÚNICA CERTEZA

Foi bom abrir os olhos pela manhã e saber-se viva.
Ainda que não soubesse exatamente o motivo, queria permanecer respirando por mais um tempo antes do aniquilamento total.
Desde o início, quando se reconheceu como um ser pensante, foi assim: a percepção de um mundo desconhecido e misterioso que a obrigava a refletir diuturna e infatigavelmente em busca das respostas impossíveis.
Sabia de antemão que trilhava caminhos tortuosos, já trilhados por muitos desde sempre, dos quais todos retornaram de mãos vazias. Mas era da sua natureza caminhar naturalmente por esses assuntos como o rio que corre em direção ao mar.
Pertencia de forma ancestral a esse mundo e nele encontrava-se confortavelmente instalada: o mundo dos que se espantam, se interrogam, duvidam, criticam.
O telefone toca. Ela agradece o chamdo ao mundo dito real, diametralmente oposto ao mundo em que habita mentalmente, natural e absolutamente silencioso. Aqui fora, a turbulência da matéria, a agressividade natural dos seres vivos, as necessidades rotineiras e cotidianas que têm que ser atendidas. Entre elas, atender o telefone.
"Venha em casa agora à tarde. Que tal unir nossas inutilidades?', diz, em tom irônico, a risonha amiga sedenta por companhia em mais um dia sem nenhum sentido especial.
Pensou; "Ainda bem que contamos com esses estranhos seres com os quais temos afinidades afetivas e nos quais buscamos o eco de nós mesmos, como para nos cientificarmos que existimos de forma real. Sim, é isto. Nós buscamos a nós mesmo em nossos amigos."
Espertamente, deu a resposta que sabia ser a mais reconfortante para si mesma. Foi!
Por mais que cada um deva carregar o seu próprio fardo e que nada nem ninguém possa suprir a absurda sensação de solidão, é bom contar com a ilusão de que temos alguém que contenha em si partes semelhantes de nós mesmos. Amigo é alívio da angústia de existir solitariamente.
Somos carne, ossos, músculos. Triste constatação, lição de realidade.
Somos carne, ossos e músculos que envelhecem e vêm nos lembrar da sua existência.
A cada dia, um pouco mais, a cobrança se instala, como que reclamando pelo retorno do corpo à terra, transformado em elementos mais naturais.
Esta lataria tão frágil a envolver um cérebro que pensa. Uma sensação de estranhamento a envolve diante desse incrível fato. Uma carne pensante.
E esta sou eu, ela reflete uma vez mais, imersa num mundo interno que pensa, acolchoada por carne, ossos e músculos que caminham em direção a sua natural mortalidade.
Um pouco mais à frente, o aniquilamento total, não sem antes enfrentar um passeio pelas dores físicas e pelas incertezas mentais diante de um corpo que vai se deteriorando aos poucos, ao vivo e a cores, indiferente a nossa perplexidade.
Ainda assim, é no mínimo sensacional despertar em mais uma manhã, graças àquela famosa pulsão de vida, que a faz querer continuar existindo e cumprindo sua função de existir, de estar no mundo a seu modo, que é de pretender entender o que não foi feito para ser compreendido.
Quando começou a pensar mais concretamente na finitude da sua tão banal existência?
Ela esteve sempre ali, tão presente.
Focando objetivamente a questão, observava que ela estava inserida no seu corpo e na sua mente de maneira obsessiva, tomando grande parte de seus pensamentos mais rotineiros e fazendo com que estabelecesse estratégias para evitar riscos desnecessários que antecipassem de maneira equivocada sua saída da vida. Isto realmente, seria desastroso e impensável.
Vamos ficando, pensava, para ver no que dá!

27 de outubro de 2007

indagação

Diante da ebulição dos dias que correm, ouso perguntar qual a pressa que eu deveria ter...
A Humanidade caminha, independentemente de quereres.
Eu perecerei, como todos os que antes de mim vieram, sem deixar o menor rastro e lembrança da minha existência.
Portanto, calmamente prossigo, pois da mesma forma seria se calmamente eu não prosseguisse.
Suportando minhas incertezas, conciliada com as minhas dúvidas, expurgando qualquer tentativa de me amparar em qualquer coisa que não seja eu mesma, meu delírio preferido.
Enfim, livre de dogmas e convicções.
Enfim!

26 de outubro de 2007

DEZ COISAS PARA FAZER ANTES DE MORRER

1. Antes de morrer, hei de viver cada dia como se fosse o único, como se fosse o último, em "slow-motion", contemplando e saboreando intensamente todos os sagrados minutos da existência.

2. Antes de morrer, vou ler! Ler muito, ler sempre que possível e quando impossível, ainda assim, ler. Manter-me em contato com os livros até o último momento, cultivando esse amor como fonte de inesgotável prazer e saber.

3. Antes de morrer, bom seria e bom será ter me conhecido profundamente, ter vasculhado todas as reentrâncias de mim mesma, ter desatado todos os possíveis nós, ter feito as pazes com as minhas contradições e meus paradoxos, com todos os meus temores e terrores.

4. Antes de morrer, vou rir muito. Dançar muito. Relevar tudo. Relaxar sempre.Não me levar a sério jamais!

5. Antes de morrer, saberei ter respeito. À dor da existência, às impossibilidades de toda ordem, às múltiplas diversidades, à existência do outro, dos outros, dos demais.

6. Antes de morrer quero estar no comando da minha vida, sem reverências e submissões a quem quer que seja, sem culto à personalidades, única devota da minha própria seita.

7. Antes de morrer, já morro antecipadamente pelo sofrimento e temores que o mundo possa causar àqueles que eu amo acima de todos os demais amores.

8. Antes de morrer, quero estar demente de lucidez, despojada de quaisquer ilusões, liberada de todos os medos, mirando corajosamente o mistério do devir.

9. Antes de morrer, irei escrever sempre. Registrar meu espanto diante do existir, minha interpretação da realidade, meus questionamentos irrespondíveis a respeito desse circo de horrores, desse imenso cenário de dementes que é o viver.

10. Antes de morrer, quero estar com as botas calçadas e pronta para partir para o nada ou para o lugar onde todos souberem o porquê das coisas e a corça dormir com o leão.

Inscrição sobre a minha porta

Vivo em minha própria casa
Jamais imitei algo de alguém
E sempre ri de todo mestre
Que nunca riu de si também.

A Gaia Ciência- Nietzsche

Heraclitiana

Não gosto do absolutamente limpo
E também do absolutamente terminado
Desconheço o porquê
Mas sempre deixo algo por fazer
Um banho sem tomar
A cama desarrumada
A barra da calça um pouco rasgada...
Um último copo a ser lavado
Sempre algo inacabado...
A impermanência das coisas
Auxilia na resolução da questão
Já que nada irá durar
Já que nada irá permanecer
Qual a necessidade de finalizar o que está em eterna transformação?
Através desse eterno vir-a-ser
Aceito minha limitação
Já basta a perfeição do universo!