8 de novembro de 2007

A ÚNICA CERTEZA

Foi bom abrir os olhos pela manhã e saber-se viva.
Ainda que não soubesse exatamente o motivo, queria permanecer respirando por mais um tempo antes do aniquilamento total.
Desde o início, quando se reconheceu como um ser pensante, foi assim: a percepção de um mundo desconhecido e misterioso que a obrigava a refletir diuturna e infatigavelmente em busca das respostas impossíveis.
Sabia de antemão que trilhava caminhos tortuosos, já trilhados por muitos desde sempre, dos quais todos retornaram de mãos vazias. Mas era da sua natureza caminhar naturalmente por esses assuntos como o rio que corre em direção ao mar.
Pertencia de forma ancestral a esse mundo e nele encontrava-se confortavelmente instalada: o mundo dos que se espantam, se interrogam, duvidam, criticam.
O telefone toca. Ela agradece o chamdo ao mundo dito real, diametralmente oposto ao mundo em que habita mentalmente, natural e absolutamente silencioso. Aqui fora, a turbulência da matéria, a agressividade natural dos seres vivos, as necessidades rotineiras e cotidianas que têm que ser atendidas. Entre elas, atender o telefone.
"Venha em casa agora à tarde. Que tal unir nossas inutilidades?', diz, em tom irônico, a risonha amiga sedenta por companhia em mais um dia sem nenhum sentido especial.
Pensou; "Ainda bem que contamos com esses estranhos seres com os quais temos afinidades afetivas e nos quais buscamos o eco de nós mesmos, como para nos cientificarmos que existimos de forma real. Sim, é isto. Nós buscamos a nós mesmo em nossos amigos."
Espertamente, deu a resposta que sabia ser a mais reconfortante para si mesma. Foi!
Por mais que cada um deva carregar o seu próprio fardo e que nada nem ninguém possa suprir a absurda sensação de solidão, é bom contar com a ilusão de que temos alguém que contenha em si partes semelhantes de nós mesmos. Amigo é alívio da angústia de existir solitariamente.
Somos carne, ossos, músculos. Triste constatação, lição de realidade.
Somos carne, ossos e músculos que envelhecem e vêm nos lembrar da sua existência.
A cada dia, um pouco mais, a cobrança se instala, como que reclamando pelo retorno do corpo à terra, transformado em elementos mais naturais.
Esta lataria tão frágil a envolver um cérebro que pensa. Uma sensação de estranhamento a envolve diante desse incrível fato. Uma carne pensante.
E esta sou eu, ela reflete uma vez mais, imersa num mundo interno que pensa, acolchoada por carne, ossos e músculos que caminham em direção a sua natural mortalidade.
Um pouco mais à frente, o aniquilamento total, não sem antes enfrentar um passeio pelas dores físicas e pelas incertezas mentais diante de um corpo que vai se deteriorando aos poucos, ao vivo e a cores, indiferente a nossa perplexidade.
Ainda assim, é no mínimo sensacional despertar em mais uma manhã, graças àquela famosa pulsão de vida, que a faz querer continuar existindo e cumprindo sua função de existir, de estar no mundo a seu modo, que é de pretender entender o que não foi feito para ser compreendido.
Quando começou a pensar mais concretamente na finitude da sua tão banal existência?
Ela esteve sempre ali, tão presente.
Focando objetivamente a questão, observava que ela estava inserida no seu corpo e na sua mente de maneira obsessiva, tomando grande parte de seus pensamentos mais rotineiros e fazendo com que estabelecesse estratégias para evitar riscos desnecessários que antecipassem de maneira equivocada sua saída da vida. Isto realmente, seria desastroso e impensável.
Vamos ficando, pensava, para ver no que dá!

2 comentários:

Beleza em Pó disse...

Venho aqui marcar presença e lhe desejar um maravilhoso final de semana. E parabenizar novamente pelo seu blog.

"Uma vida completa pode acabar numa identificação tão absoluta com o não-eu que não haverá mais um eu para morrer." (Clarice Lispector)

Um grande abraço.
Juliane Ágata

meny disse...

Silvia , parabéns pelo seu blog, esse tema inicial é " Sivia" , sua marca registrada, ser inquieto pensante,questionador da existência a cada minuto ...
Muito lindo.
Minha amiga achou a maneira mais gostosa de filosofar, verdadeiro presente para todos nós que podemos compartilhar de todas essas idéias brilhantes !Beijos,
Maria Eny